Eis o texto de Mateus 21.12-13, na Almeida Século 21: “Jesus entrou no templo e expulsou todos os que ali vendiam e compravam; e revirou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, fazeis dela um antro de assaltantes”. Não seguirei pelos vários usos deste texto em nosso meio. Analisá-lo-ei á luz do seu contexto. Jesus citou Jeremias, 7, onde o escopo é maior que a venda de bugigangas no templo, coisa, aliás, ainda em voga em nosso meio. Há seitas neopentecostais a vender bênçãos. É lhes raso vender quinquilharias.
Ao citar Jeremias, Jesus foi além do comércio no templo. Este era um dos aspectos da questão. O pano de fundo de Jeremias vivia-se no tempo de Jesus. E no nosso. Bem disse Durkheim: “A única lição que a história nos ensina é que não aprendemos nada das lições da história”. Por isso vejamos o assunto casa de oração x antro de assaltantes.
Casa de oração é a casa de Deus. Antro de assaltantes é o estado espiritual de uma sociedade e igreja doentes. Antro de assaltantes não é banditismo, mas abandono do propósito divino, e estabelecimento do nosso. É recusa da vontade de Deus, que é santa, e estabelecimento da nossa, que, mesmo cheia de boas intenções, é pecaminosa. Antro de assaltantes é o desvio que os homens fazem do propósito divino. Deus queria de um jeito e o povo de outro.
O primeiro sintoma da sociedade e da igreja antro de assaltantes é a confiança na instituição e o desprezo pela conversão. Deus dizia: “Endireitai os vossos caminhos e as vossas ações, e vos farei habitar neste lugar” (Jr 7.3). Era uma chamada à conversão. O povo respondia dizendo: “Este é o templo do SENHOR, templo do SENHOR, templo do SENHOR” (V. 4). À chamada à conversão, o povo respondia com religiosidade supersticiosa. A instituição “templo” lhes era um sinal de que nada lhes aconteceria. Para que conversão? Tinham o templo, tinham religião, tinham a instituição.
O mesmo acontece hoje. Nossa sociedade é religiosa. E também usa a religião contra Deus e seu chamado à conversão. Vivemos numa época de politicamente correto, em que tudo é certo, e todo mundo deve ser acatado. Exigir conversão é ser fundamentalista. É ser radical e intolerante. Afinal, religião, todo mundo tem. E mesmo quem não tem é gente boa, é de Deus.
Deus pedia conversão e o povo respondia com a instituição. Como hoje. “Precisamos de mais instituições, mais escolas e mais área de lazer (a delinqüência juvenil, descobriu-se, é por falta de lazer dos jovens – então, mais lazer para eles)”. Estas coisas são boas, mas são paliativas, e não tocam no fundo da questão. O problema do ser humano, mais que econômico e recreacional, é espiritual. Não é epidérmico, mas vem de dentro. “O coração do homem é mau desde a sua meninice”, diz a Bíblia. Apregoa-se o discurso falido do Iluminismo, da bondade inata do homem, e pensa-se que se criarmos mais instituições, o mundo será melhor.
Quanta ingenuidade no noticiário midiático! Alguém foi ministrar aulas de capoeira numa favela carioca. Surgiram discursos elogiando isto como “resgate da cidadania dos jovens marginalizados pela sociedade”. Com capoeira? Este discurso me soa superficial. Ele não toca na questão fundamental.
Nosso problema não é institucional, é espiritual. Muitos pensadores cristãos facilitam este equívoco. Para eles, tudo tem explicação sociológica, nunca espiritual. Respondem a tudo e tudo interpretam por pensadores seculares, e não pelo evangelho. Pensadores são, mas não pensadores cristãos. Não sustentam a visão cristã. Sua cosmovisão é acristã, se não anticristã. É o triunfo da instituição, o nome que dou, nesta fala, à construção humana. É a recusa à conversão, que é a chamada de Deus.
Nossa editora oficial e a boa parte de nossas instituições (colégios, seminários e juntas) passam por crise financeira. Algumas faliram. Na mesma época que a JUERP (minha editora até o fim) entrou em crise, a CPAD também entrou. Esta se recuperou e é uma editora de peso, com livros de valor. Lembro-me de uma foto publicada em algum lugar (esqueci-me onde) de pastores assembleianos de joelhos, numa reunião da CPAD, na hora da crise. Eles resolveram com oração e a orientação divina que veio em resposta. Nós, quando entramos em crise, criamos um GT, uma comissão, alguma instituição. Sou batista do papo amarelo, mas vejo que nutrimos uma crença ingênua e quase idolátrica em nossas instituições. Fui para o seminário com 19 anos, e discutíamos reestruturação denominacional. Tenho 37 anos de ministério, e estamos discutindo reestruturação denominacional. Quando Jesus regressar, estaremos discutindo reestruturação denominacional. Não será que nossas instituições precisam de conversão, ao invés de mais mudança de nomenclatura e de forma? Por que não uma chamada ao jejum e à oração nacionais pela denominação batista, para Deus remover o que e quem está errado? Por que mais GTs?
Para ficar claro que não estou atacando minha denominação, que amo e na qual quero encerrar minha carreira: há muita igreja antiinstitucional que se tornou instituição, e passou a se valorizar mais que qualquer outra coisa. O fenômeno é mais amplo e atinge muita gente.
O segundo sintoma da sociedade e da igreja antro de assaltantes é a ênfase no culto, na liturgia, e não no caráter. Deus pedia conversão e ética no relacionamento social: a prática da justiça, não oprimir o estrangeiro, o órfão e a viúva, não derramar sangue inocente (vv. 5-6). A seqüência da conversão, falando como cristão, é mais que praticar fórmulas litúrgicas. É deixar que o caráter de Cristo se forme em nós, por obra do Espírito Santo. O povo respondia com sua religiosidade, inclusive o culto a Baal. Como temos cultos hoje! No bairro em que moro há quase cinqüenta igrejas evangélicas. Talvez haja mais igrejas que bares. Só batistas contei oito, num perímetro de cinco quilômetros. Mas que cultos são esses, que adoração é essa, que não produzem retidão nem impacto na sociedade? Muitos cultos são catarse pura. Outros são insanos. Pode-se levar a sério uma igreja cujo credo traga “sapateado de anjos”? Bem, sapateiem os anjos lá e sigamos cá. Uma das razões da destruição de Judá foi a injustiça social, ou seja, o abandono da ética. A adoração que não produz vida correta é mero alarido.
Tenho muitas dificuldades com a liturgia de nossas igrejas. Não agüento mais cantar corinhos ingênuos, de música pobre e de teologia manca. A imaginação é fértil, mas canhestra. Num culto desses, um dia desses, cantou-se um corinho em que as três primeiras sentenças gramaticais não tinham qualquer conexão entre si, cada uma tinha um sujeito diferente e cada uma abordava um tema diferente. Nada entendi. O que me deixou pior foi que as pessoas faziam cara de quem sentia dor, fechavam os olhos, com um ar sofrido, e se requebravam. Aflige-me ouvir, após cada corinho, um sermãozinho sem nexo algum. As coisas deviam ser bem definidas. Quem prega, que pregue, não cante. Quem canta, que cante, não pregue. É duro agüentar sermão de grupo de louvor. Nenhum pensante merece! Mas é moda. Ai do pastor que disser que a maior parte dos corinhos tem música pobre e letra capenga, sem sentido, e que se sustentam só pelo alto volume (barulho é coisa de quem não tem conteúdo) e pelo gestual! Como temos louvor, e como nos falta santidade! Como temos adoração, cultos, templos, e como falta integridade aos adoradores! É a filosofia do antro de assaltantes: mais importância ao culto e à liturgia que ao caráter. Ela mascara a ausência de santidade com ritualística.
Vocês enfrentarão esta mentalidade no ministério. Gente que quererá festa, mas não correção. Que quererá liberdade para fazer o que quer, sem restrição. Que quererá um culto para se soltar e não para aprender as verdades da Bíblia. Quererá adoração, mas não caráter. Muitas igrejas querem festa, mas Deus diz “Para que me trazeis tantos sacrifícios? Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais de engorda. Não me agrado do sangue de novilhos, de cordeiros e de bode” (Is 1.11). Ele diz que está farto de cultos! E o que deseja ele? “Lavai-vos e purificai-vos; tirai de diante de meus olhos as vossas obras más; parai de praticar o mal; aprendei a praticar o bem; buscai a justiça, acabai com a opressão, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva” (Is 1.16-17). Deus quer retidão. Não digo que a liturgia seja hipócrita, mas não aceito que vida cristã seja o que sucede num determinado dia da semana, conduzido por determinadas pessoas, num momento determinado, num lugar determinado, chamado culto. Isto é mais que confundir a casca com o miolo. É confundir o farelo com o pão. É guetizar a igreja.
Vocês não foram chamados para serem animadores de auditório, mas orientadores do povo de Deus. Não foram chamados para ganharem um concurso de popularidade, mas serem fiéis aos propósitos divinos exarados na Bíblia. Não permitam que o antro de assaltantes de uma sociedade festiva vaze para dentro da igreja e a contamine. Não sou contra o culto nem contra cânticos. Repito: Não sou contra o culto nem contra cânticos. Sou contra a bobagem, a superficialidade, a alegria fingida, a manipulação e a ênfase na liturgia mais que no caráter. Vivemos numa época de baixíssimo nível cultural. Hoje não há espaço para um Beethoven, mas para DJs. Não há espaço para um Monet, Picasso, um Di Cavalcanti, uma Tarsila, mas para pichadores, pois dizem que isto é arte. As pessoas não conhecem Machado de Assis, mas BBB. A mediocridade é chocante e invadiu a igreja. A pobreza musical e litúrgica de nossos cultos é desalentadora. Mas algo incomoda mais que a pobreza: o copismo nível cultural do mundo. A igreja não mais vanguardeia, mas copia. O antro de assaltantes de uma crença em que “o que vale é a intenção” entrou em nosso meio. Para Deus não vale a intenção. Vale o certo. Não ousarei definir o que é certo em liturgia, mas defino o que é errado. Tudo que é sensual, que apela aos sentidos físicos mais que ao espírito, que busca satisfazer os anseios ao invés de nos levar a alcançar a perspectiva de Deus para nos, é errado. Se não promove a santidade, mas satisfaz à necessidade de balanço, de meneios, de se soltar, deve ser repensado. Adoração não é catarse. É consciência do Sagrado e quebrantamento diante dele.
Por fim, antro de assaltantes é a confiança em si e em seus deuses. Judá não confiava em Iahweh, mas em Baal, no Egito, na Síria. Fazia seus deuses e se rendia a eles. Os contemporâneos de Jesus não criam nele, mas confiavam na sua visão pessoal. Disse Lutero: “Aquilo em que um homem confia isso é o seu deus”. A sociedade não quer Deus, o Deus Vivo e Verdadeiro, e faz os seus deuses. A igreja de hoje confia mais no poder humano que em Deus. Tem um Deus, mas crê em deuses que ela constrói. Certos planejamentos financeiros, certas abordagens, certas ênfases, certas posturas políticas, certos bastidores, me fazem crer que a crença no poder de Deus é secundária. Apoio a políticos sabidamente sem caráter e lançamento de evangélicos absolutamente despreparados à vida política, e a sofreguidão com que a igreja busca o poder material, seja financeiro ou político, me levam a perguntar: “Em quem cremos, afinal?”. E ainda: “O que queremos com o credo antro de assaltantes?”. Intrigou-me ver crentes brasileiros discutindo o evento Obama com um fervor quase religioso. A mídia falou de “obamania”. Talvez o correto seja “obamalatria”. Já vi este filme antes, com títulos diferentes: “lulatria”, “colloratria”, “tancredolatria”, “planocruzadolatria”. Todos deram errado. Porque toda confiança em homens, instituições e ideologias, além de idolatria, é frustração. Nossa teologia nos ensina a depravação da raça humana, a pecaminosidade total da raça. Mas esperamos socorro do produto da raça pecaminosa. Muitos dos problemas da igreja residem aqui: não levar a Queda a sério. Achar que é uma historiazinha engraçada, a fábula de uma serpente falante, sem considerar seu ensino. O homem tornou-se mau, corrompido e corruptor. O homem é um Midas às avessas. O que Midas tocava se transformava em ouro. O que o homem toca se torna em pecado. Por isso não creio na redenção via instituição. Por isso censuro a festa religiosa sem santidade, sem foco em Deus e com foco no homem. E por isso censuro a visão de que políticos e ideologias podem nos trazer o reino de Deus ou transformar o mundo. Não creio que pecadores inconversos podem nos salvar.
Não estou censurando a visão política. Estou censurando nossa expectativa em messias humanos, em salvadores terrenos. Tenho visto que os olhos da igreja se voltam para mais para a terra que para os céus. Como Nietzsche pediu em uma de suas obras. Aliás, já vi pastor dizer-se apaixonado por Nietzsche. Se o leu não o entendeu...
Deuses terrenos não são misericordiosos. Nada podem fazer, nada fazem, e cobram caro pela não ajuda. Quando aprenderemos o que é depender da graça, o que é confiar no poder de Deus, e esperar sua ação? Quando mostraremos que os valores do reino nos são mais importantes que as moedas dos cambistas? Quando valorizaremos mais a cruz que a mesa do cambista?
CONCLUSÃO
O que Jesus fez no antro de assaltantes? Derrubou as mesas, expulsou os cambistas e proclamou a santidade do templo. Eis o que espero que vocês façam:
1º) Não ponham instituições acima de Deus e dos valores do reino. Não desprezem a conversão, a santidade e a piedade. Não preguem adesão a um grupo social. Preguem conversão. Igreja é mais que instituição. É o corpo de Cristo. Amem-na, valorizem-na, dediquem-se a ela. Vivam para Deus e não para ideologias eclesiásticas.
2º.) Sejam pregadores da Palavra, homens e mulheres da Bíblia. Sejam condutores do povo de Deus, e não animadores de auditório. Evitem o estrelismo e fujam das estrelas do culto. Dobrar joelhos é mais importante que bater palmas. Culto é quebrantamento e não forró. Levem o povo de Deus a buscar seriedade espiritual e não a catarse.
3º) Dependam da graça de Deus. Não aceitem as insidiosas e sutis manifestações de idolatria eclesiástica contemporânea. Sejam “cristomaníacos” e não “qualqueroutracoisamaníacos”.
Derrubem as mesas da profanação do evangelho e afirmem a santidade de Deus!
Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
Ao citar Jeremias, Jesus foi além do comércio no templo. Este era um dos aspectos da questão. O pano de fundo de Jeremias vivia-se no tempo de Jesus. E no nosso. Bem disse Durkheim: “A única lição que a história nos ensina é que não aprendemos nada das lições da história”. Por isso vejamos o assunto casa de oração x antro de assaltantes.
Casa de oração é a casa de Deus. Antro de assaltantes é o estado espiritual de uma sociedade e igreja doentes. Antro de assaltantes não é banditismo, mas abandono do propósito divino, e estabelecimento do nosso. É recusa da vontade de Deus, que é santa, e estabelecimento da nossa, que, mesmo cheia de boas intenções, é pecaminosa. Antro de assaltantes é o desvio que os homens fazem do propósito divino. Deus queria de um jeito e o povo de outro.
O primeiro sintoma da sociedade e da igreja antro de assaltantes é a confiança na instituição e o desprezo pela conversão. Deus dizia: “Endireitai os vossos caminhos e as vossas ações, e vos farei habitar neste lugar” (Jr 7.3). Era uma chamada à conversão. O povo respondia dizendo: “Este é o templo do SENHOR, templo do SENHOR, templo do SENHOR” (V. 4). À chamada à conversão, o povo respondia com religiosidade supersticiosa. A instituição “templo” lhes era um sinal de que nada lhes aconteceria. Para que conversão? Tinham o templo, tinham religião, tinham a instituição.
O mesmo acontece hoje. Nossa sociedade é religiosa. E também usa a religião contra Deus e seu chamado à conversão. Vivemos numa época de politicamente correto, em que tudo é certo, e todo mundo deve ser acatado. Exigir conversão é ser fundamentalista. É ser radical e intolerante. Afinal, religião, todo mundo tem. E mesmo quem não tem é gente boa, é de Deus.
Deus pedia conversão e o povo respondia com a instituição. Como hoje. “Precisamos de mais instituições, mais escolas e mais área de lazer (a delinqüência juvenil, descobriu-se, é por falta de lazer dos jovens – então, mais lazer para eles)”. Estas coisas são boas, mas são paliativas, e não tocam no fundo da questão. O problema do ser humano, mais que econômico e recreacional, é espiritual. Não é epidérmico, mas vem de dentro. “O coração do homem é mau desde a sua meninice”, diz a Bíblia. Apregoa-se o discurso falido do Iluminismo, da bondade inata do homem, e pensa-se que se criarmos mais instituições, o mundo será melhor.
Quanta ingenuidade no noticiário midiático! Alguém foi ministrar aulas de capoeira numa favela carioca. Surgiram discursos elogiando isto como “resgate da cidadania dos jovens marginalizados pela sociedade”. Com capoeira? Este discurso me soa superficial. Ele não toca na questão fundamental.
Nosso problema não é institucional, é espiritual. Muitos pensadores cristãos facilitam este equívoco. Para eles, tudo tem explicação sociológica, nunca espiritual. Respondem a tudo e tudo interpretam por pensadores seculares, e não pelo evangelho. Pensadores são, mas não pensadores cristãos. Não sustentam a visão cristã. Sua cosmovisão é acristã, se não anticristã. É o triunfo da instituição, o nome que dou, nesta fala, à construção humana. É a recusa à conversão, que é a chamada de Deus.
Nossa editora oficial e a boa parte de nossas instituições (colégios, seminários e juntas) passam por crise financeira. Algumas faliram. Na mesma época que a JUERP (minha editora até o fim) entrou em crise, a CPAD também entrou. Esta se recuperou e é uma editora de peso, com livros de valor. Lembro-me de uma foto publicada em algum lugar (esqueci-me onde) de pastores assembleianos de joelhos, numa reunião da CPAD, na hora da crise. Eles resolveram com oração e a orientação divina que veio em resposta. Nós, quando entramos em crise, criamos um GT, uma comissão, alguma instituição. Sou batista do papo amarelo, mas vejo que nutrimos uma crença ingênua e quase idolátrica em nossas instituições. Fui para o seminário com 19 anos, e discutíamos reestruturação denominacional. Tenho 37 anos de ministério, e estamos discutindo reestruturação denominacional. Quando Jesus regressar, estaremos discutindo reestruturação denominacional. Não será que nossas instituições precisam de conversão, ao invés de mais mudança de nomenclatura e de forma? Por que não uma chamada ao jejum e à oração nacionais pela denominação batista, para Deus remover o que e quem está errado? Por que mais GTs?
Para ficar claro que não estou atacando minha denominação, que amo e na qual quero encerrar minha carreira: há muita igreja antiinstitucional que se tornou instituição, e passou a se valorizar mais que qualquer outra coisa. O fenômeno é mais amplo e atinge muita gente.
O segundo sintoma da sociedade e da igreja antro de assaltantes é a ênfase no culto, na liturgia, e não no caráter. Deus pedia conversão e ética no relacionamento social: a prática da justiça, não oprimir o estrangeiro, o órfão e a viúva, não derramar sangue inocente (vv. 5-6). A seqüência da conversão, falando como cristão, é mais que praticar fórmulas litúrgicas. É deixar que o caráter de Cristo se forme em nós, por obra do Espírito Santo. O povo respondia com sua religiosidade, inclusive o culto a Baal. Como temos cultos hoje! No bairro em que moro há quase cinqüenta igrejas evangélicas. Talvez haja mais igrejas que bares. Só batistas contei oito, num perímetro de cinco quilômetros. Mas que cultos são esses, que adoração é essa, que não produzem retidão nem impacto na sociedade? Muitos cultos são catarse pura. Outros são insanos. Pode-se levar a sério uma igreja cujo credo traga “sapateado de anjos”? Bem, sapateiem os anjos lá e sigamos cá. Uma das razões da destruição de Judá foi a injustiça social, ou seja, o abandono da ética. A adoração que não produz vida correta é mero alarido.
Tenho muitas dificuldades com a liturgia de nossas igrejas. Não agüento mais cantar corinhos ingênuos, de música pobre e de teologia manca. A imaginação é fértil, mas canhestra. Num culto desses, um dia desses, cantou-se um corinho em que as três primeiras sentenças gramaticais não tinham qualquer conexão entre si, cada uma tinha um sujeito diferente e cada uma abordava um tema diferente. Nada entendi. O que me deixou pior foi que as pessoas faziam cara de quem sentia dor, fechavam os olhos, com um ar sofrido, e se requebravam. Aflige-me ouvir, após cada corinho, um sermãozinho sem nexo algum. As coisas deviam ser bem definidas. Quem prega, que pregue, não cante. Quem canta, que cante, não pregue. É duro agüentar sermão de grupo de louvor. Nenhum pensante merece! Mas é moda. Ai do pastor que disser que a maior parte dos corinhos tem música pobre e letra capenga, sem sentido, e que se sustentam só pelo alto volume (barulho é coisa de quem não tem conteúdo) e pelo gestual! Como temos louvor, e como nos falta santidade! Como temos adoração, cultos, templos, e como falta integridade aos adoradores! É a filosofia do antro de assaltantes: mais importância ao culto e à liturgia que ao caráter. Ela mascara a ausência de santidade com ritualística.
Vocês enfrentarão esta mentalidade no ministério. Gente que quererá festa, mas não correção. Que quererá liberdade para fazer o que quer, sem restrição. Que quererá um culto para se soltar e não para aprender as verdades da Bíblia. Quererá adoração, mas não caráter. Muitas igrejas querem festa, mas Deus diz “Para que me trazeis tantos sacrifícios? Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais de engorda. Não me agrado do sangue de novilhos, de cordeiros e de bode” (Is 1.11). Ele diz que está farto de cultos! E o que deseja ele? “Lavai-vos e purificai-vos; tirai de diante de meus olhos as vossas obras más; parai de praticar o mal; aprendei a praticar o bem; buscai a justiça, acabai com a opressão, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva” (Is 1.16-17). Deus quer retidão. Não digo que a liturgia seja hipócrita, mas não aceito que vida cristã seja o que sucede num determinado dia da semana, conduzido por determinadas pessoas, num momento determinado, num lugar determinado, chamado culto. Isto é mais que confundir a casca com o miolo. É confundir o farelo com o pão. É guetizar a igreja.
Vocês não foram chamados para serem animadores de auditório, mas orientadores do povo de Deus. Não foram chamados para ganharem um concurso de popularidade, mas serem fiéis aos propósitos divinos exarados na Bíblia. Não permitam que o antro de assaltantes de uma sociedade festiva vaze para dentro da igreja e a contamine. Não sou contra o culto nem contra cânticos. Repito: Não sou contra o culto nem contra cânticos. Sou contra a bobagem, a superficialidade, a alegria fingida, a manipulação e a ênfase na liturgia mais que no caráter. Vivemos numa época de baixíssimo nível cultural. Hoje não há espaço para um Beethoven, mas para DJs. Não há espaço para um Monet, Picasso, um Di Cavalcanti, uma Tarsila, mas para pichadores, pois dizem que isto é arte. As pessoas não conhecem Machado de Assis, mas BBB. A mediocridade é chocante e invadiu a igreja. A pobreza musical e litúrgica de nossos cultos é desalentadora. Mas algo incomoda mais que a pobreza: o copismo nível cultural do mundo. A igreja não mais vanguardeia, mas copia. O antro de assaltantes de uma crença em que “o que vale é a intenção” entrou em nosso meio. Para Deus não vale a intenção. Vale o certo. Não ousarei definir o que é certo em liturgia, mas defino o que é errado. Tudo que é sensual, que apela aos sentidos físicos mais que ao espírito, que busca satisfazer os anseios ao invés de nos levar a alcançar a perspectiva de Deus para nos, é errado. Se não promove a santidade, mas satisfaz à necessidade de balanço, de meneios, de se soltar, deve ser repensado. Adoração não é catarse. É consciência do Sagrado e quebrantamento diante dele.
Por fim, antro de assaltantes é a confiança em si e em seus deuses. Judá não confiava em Iahweh, mas em Baal, no Egito, na Síria. Fazia seus deuses e se rendia a eles. Os contemporâneos de Jesus não criam nele, mas confiavam na sua visão pessoal. Disse Lutero: “Aquilo em que um homem confia isso é o seu deus”. A sociedade não quer Deus, o Deus Vivo e Verdadeiro, e faz os seus deuses. A igreja de hoje confia mais no poder humano que em Deus. Tem um Deus, mas crê em deuses que ela constrói. Certos planejamentos financeiros, certas abordagens, certas ênfases, certas posturas políticas, certos bastidores, me fazem crer que a crença no poder de Deus é secundária. Apoio a políticos sabidamente sem caráter e lançamento de evangélicos absolutamente despreparados à vida política, e a sofreguidão com que a igreja busca o poder material, seja financeiro ou político, me levam a perguntar: “Em quem cremos, afinal?”. E ainda: “O que queremos com o credo antro de assaltantes?”. Intrigou-me ver crentes brasileiros discutindo o evento Obama com um fervor quase religioso. A mídia falou de “obamania”. Talvez o correto seja “obamalatria”. Já vi este filme antes, com títulos diferentes: “lulatria”, “colloratria”, “tancredolatria”, “planocruzadolatria”. Todos deram errado. Porque toda confiança em homens, instituições e ideologias, além de idolatria, é frustração. Nossa teologia nos ensina a depravação da raça humana, a pecaminosidade total da raça. Mas esperamos socorro do produto da raça pecaminosa. Muitos dos problemas da igreja residem aqui: não levar a Queda a sério. Achar que é uma historiazinha engraçada, a fábula de uma serpente falante, sem considerar seu ensino. O homem tornou-se mau, corrompido e corruptor. O homem é um Midas às avessas. O que Midas tocava se transformava em ouro. O que o homem toca se torna em pecado. Por isso não creio na redenção via instituição. Por isso censuro a festa religiosa sem santidade, sem foco em Deus e com foco no homem. E por isso censuro a visão de que políticos e ideologias podem nos trazer o reino de Deus ou transformar o mundo. Não creio que pecadores inconversos podem nos salvar.
Não estou censurando a visão política. Estou censurando nossa expectativa em messias humanos, em salvadores terrenos. Tenho visto que os olhos da igreja se voltam para mais para a terra que para os céus. Como Nietzsche pediu em uma de suas obras. Aliás, já vi pastor dizer-se apaixonado por Nietzsche. Se o leu não o entendeu...
Deuses terrenos não são misericordiosos. Nada podem fazer, nada fazem, e cobram caro pela não ajuda. Quando aprenderemos o que é depender da graça, o que é confiar no poder de Deus, e esperar sua ação? Quando mostraremos que os valores do reino nos são mais importantes que as moedas dos cambistas? Quando valorizaremos mais a cruz que a mesa do cambista?
CONCLUSÃO
O que Jesus fez no antro de assaltantes? Derrubou as mesas, expulsou os cambistas e proclamou a santidade do templo. Eis o que espero que vocês façam:
1º) Não ponham instituições acima de Deus e dos valores do reino. Não desprezem a conversão, a santidade e a piedade. Não preguem adesão a um grupo social. Preguem conversão. Igreja é mais que instituição. É o corpo de Cristo. Amem-na, valorizem-na, dediquem-se a ela. Vivam para Deus e não para ideologias eclesiásticas.
2º.) Sejam pregadores da Palavra, homens e mulheres da Bíblia. Sejam condutores do povo de Deus, e não animadores de auditório. Evitem o estrelismo e fujam das estrelas do culto. Dobrar joelhos é mais importante que bater palmas. Culto é quebrantamento e não forró. Levem o povo de Deus a buscar seriedade espiritual e não a catarse.
3º) Dependam da graça de Deus. Não aceitem as insidiosas e sutis manifestações de idolatria eclesiástica contemporânea. Sejam “cristomaníacos” e não “qualqueroutracoisamaníacos”.
Derrubem as mesas da profanação do evangelho e afirmem a santidade de Deus!
Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário aqui para que possamos refletir juntos. Obrigada por visitar e escrever .