sábado, 7 de março de 2009

CULTO BANCÁRIO

João Pedro Gonçalves

Não resta dúvidas que a liderança da igreja, nos últimos anos, tomou para si a responsabilidade de oferecer um local, um ambiente e uma arquitetura de culto que seja agradável para os visitantes e membros da igreja. Diferentemente de alguns séculos atrás onde o líder eclesiástico tinha que implorar aos fiéis que não fizessem suas necessidades no próprio banco da igreja, mas, que pelo menos o fizessem no chão, hoje, a iluminação, ventilação, temperatura, música, estacionamento, recepção, informação e mensagem têm sido pensados em função de oferecer o melhor para as pessoas.

Em um mundo urbano e industrializado, a vida religiosa ficou espremida a um dia da semana, e, nesse dia, as atividades propriamente religiosas ficaram restritas a poucas horas. Isso, considerando-se uma igreja normal, pois há outra tendência de transformar o ambiente de trabalho como o local do culto também. Em tempos de pessoas sem tempo, trabalha-se oito horas por dia; 4 ou 5 horas por dia são dedicadas à escola. Dependendo da frequencia à igreja, 2 ou 4 horas semanais. Sendo pouco o tempo das pessoas, é preciso elaborar um culto que seja atraente para as pessoas. Ainda mais, quando se sabe que há muitas outras igrejas que concorrem e disputam as mesmas pessoas, inclusive aquelas que já participam da igreja de onde se é líder.

Nesse tipo de engenharia do culto por causa do tempo, parece que há um padrão a ser observado: tende-se a pensar que nada de espiritual acontece entre um domingo e outro. Dessa forma, o culto dominical tem que acontecer de tudo, ser completo em si mesmo. Pressupõe-se a necessidade de se oferecer aos fiéis aquilo que eles precisam. A quantidade, substancialidade e a variedade dos “nutrientes” desse culto são meticulosamente preparados pelos nutricionistas espirituais de plantão, os “neodespenseiros dos mistérios de Deus”.

Essa lógica, porém, é alienante. Em primeiro lugar, porque o culto passou a ser uma peça de estilo estético (roupas, músicas, logística). Confunde, ilusiramente necessidade com agradabilidade, fome e necessidade. Um culto para ser agradável não precisa ser superficial, precisa ser compreensível, somente isso. Em segundo lugar, as pessoas são tratadas como assistentes, expectadoras, passivas, clientes, consumidoras. Dá-se a elas aquilo que pressupõe-se o que elas precisam. Em terceiro lugar, considera-se que as pessoas chegam vazias para o culto, e que o naquele período do culto, numa espécie de culto bancário, serve para reabastecer o emocional, social e espiritual das pessoas. Como aviões abastecidos em pleno vôo, as pessoas vêm, veem, abastecem-se e saem.

A pressuposição de que as pessoas estão vazias é reforçada pela forma que o culto é planejado e feito. De certa forma, essa pressuposição da liderança faz com que as pessoas sejam entendidas como não tendo nada a oferecer, somente receber. No culto bancário oferece-se um produto ao cliente e espera que o mesmo pague – em dízimos e ofertas – pelo produto que recebeu e consumiu. A pessoa vem e recebe um depósito. Chega vazia e sai cheia. Essa lógica está errada porque (também) trata o culto como algo a ser consumido, de fora para dentro e não algo que se vive, de dentro para fora.

Mas, diferentemente do que a Bíblia apresenta e das pesquisas recentes, essa pressuposição se mostra mais uma vez equivocada. Como exemplo, mostra-se (1Co 14.26). Nessa passagem, o apóstolo Paulo tratou de um problema no culto coríntio. O “problema” ali não era que os crentes vinham vazios para o culto, mas o contrário, chegavam cheios. “Que fazer, irmãos”, pergunta o apóstolo, “quando vocês se reúnem, um tem... outro tem... este tem... aquele outro tem... seja tudo feito para edificação”. O “problema” coríntio não era do culto bancário, onde a liderança depositava na cabeça do crente os produtos que, pressupunha-se, eles precisavam.

Em Corinto (e nas outras igrejas neotestamentárias) o culto era realizado no sistema “uns aos outros”. Os irmãos, em diversas ocasiões, são convidados a orar pelos apóstolos; igrejas foram desafiadas a chamarem a atenção dos seus líderes, a ajudarem os líderes nos seus ministérios. O culto bancário é feito no sistema “um aos outros”. Quer dizer, o líder sabe e ensina, tem algo a oferecer e dá aos fiéis; o culto não sabe e aprende. O líder está cheio e enche; o crente está vazio e é enchido. O culto, por isso mesmo, depende da performance da liderança e por ela é julgado. Planeja-se o culto para que as pessoas tenham experiência de Deus naquelas poucas horas de domingo. As pessoas saem com a sensação de que os líderes estão cheios e dividem suas experiências de Deus com as pessoas ali no culto. Em Corinto o problema era administrar o compartilhamento coletivo, pois todos os crentes chegavam cheios. Difícil era gerenciar um culto como esse, onde todos têm algo a dar, a contribuir e compartilhar.

A experiência coríntia segue o mesmo padrão de todo o relato bíblico. Ainda que o mundo urbano e estressante tenham empurrado a vida, a vivência e a experiência espiritual para apenas um dia, Deus não se limitou a um dia somente. É fácil mostrar essa afirmativa. Ao examinar-se o relato bíblico, vê-se que Deus se encontrou com Moisés no horário e ambiente de trabalho; com Abrão foi a mesma coisa: Deus veio ao seu encontro na hora mais quente do dia, enquanto ele estava em baixo de uma árvore. Gideão estava trabalhando no trigo da família dentro de uma caverna. A Jacó, ele se manifestou durante a noite, no deserto. A mãe se Sansão estava cuidando das tarefas da casa. Deus falou com Labão enquanto perseguia seu genro. Deus falou com Cornélio durante a noite, em sonhos, na sua casa. Ele se revelou à mulher de Pilatos em sonhos, em casa (Cornélio e a mulher de Pilatos nem mesmo crentes eram). Deus falou com Paulo em um navio; se revelou a ele em uma prisão. Jesus apareceu aos discípulos no mar, enquanto pescavam, enquanto ainda era escuro.

Recentemente, autores como Dana Zohar (Inteligência espiritual), Nash & McLennan (Igreja aos domingos, trabalho às segundas) têm demonstrado, através de pesquisas, que o padrão bíblico de Deus aparecer aos homens em dias e horários diferentes do dia normal consagrado ao culto tem-se provado com as mesmas características. Pesquisas recentes têm relatado que 7 em cada 10 pessoas tiveram experiência de transcendência, de Deus, em “dias normais”, em casa, na escola ou em horário de trabalho.

Ora, se o padrão atual é o mesmo padrão bíblico como já ficou demonstrado, então os coríntios, então seria o caso de os cultos levarem em consideração que as pessoas, contrariamente do que se pensa e é praticado, que os crentes chegam com experiências pessoais de Deus, e essas experiencias elas tiveram durante a semana, nos dias “normais”. Nada de chegarem vazias. Na verdade, as pessoas chegam cheias e deveriam sair transbordando. Foi assim que o apóstolo descreveu a experiência de ser cheio do Espírito. Ele não pressupunha esse enchimento como algo que acontece no período do culto, mas algo que acontece no dia a dia, na vida normal.

Esse princípio bíblico deveria modificar a visão que os líderes têm das pessoas. Também deveria mudar a estrutura do culto. O culto seria, então, um espaço democrático, um local para se dividir a experiência comum de todos, não um momento performático de alguém; o culto seria mais a prática de uns aos outros, que aparece mais de 50 vezes no Novo Testamento, não, “um aos outros”. Culto é mutualidade, multidirecionalidade, interatividade.

As pessoas poderiam (e deveriam) ser estimuladas a ajustar o “dial” espiritual para perceberem os momentos Deus durante a semana, e, nos cultos, seriam incentivadas a dividir com seus irmãos. Essa experiência do compartilhamento foi descrita pelo salmista Asafe (Salmo 78): “O que ouvimos e aprendemos... o que nos contaram nossos pais, contaremos aos nosso filhos... à vindoura geração”. O resultado dessa mutualidade espiritual resultaria que as pessoas colocariam sua confiança em Deus. O salmista Davi afirmou que, ao compartilhar seus “momentos Deus”, muitos veriam, ouviriam e confiariam no Senhor. O apóstolo João afirmou que o compartilhar as coisas que ele se ouviu e viu traria uma comunhão perfeita entre as pessoas.

As pessoas não estão, necessariamente, vazias em igrejas cheias. Também não é verdade que as pessoas não chegam vazias para saírem cheias dos cultos, ainda que a tendência seja que se considere que as pessoas sejam como recipientes vazios em igrejas cheias. É preciso mudar a cabeça da liderança no preparo do culto. É preciso mudar a concepção que a liderança tem das pessoas em relação ao seu dia a dia e durante o culto. Uma letra do Cantor Cristão já afirmava essa verdade: “Conta as bênçãos, conta quantas são”.

Tratar as pessoas como vazias é diminuir a importância delas. Mas, principalmente, é colocar Deus em uma camisa de força, em um leito de Procusto. Dessa forma, Deus não seria mais o Deus do tempo, mas um demiurgo que se ajusta a duas horas semanais e que se recusou a revelar quando e onde quisesse durante a semana aos seus filhos. Tratar pessoas como vazias e Deus como distante, é indigno das pessoas; é indigno de Deus.

João Pedro é maranhense radicado em Brasília por 30 anos (1979-2009). Estudou Teologia na Faculdade Teológica Batista de Brasília (FTBB) com concentração em Ministério pastoral e música sacra (1984). Estudou Filosofia. Mestre em Ciências da Religião e Doutor em Sociologia. É prof. de Teologia na FTBB e Filosofia da Educação e Filosofia da Linguagem na Faculdade Evangélica de Brasília (FE)

2 comentários:

  1. Querida Westh Ney, o texto do João Pedro sobre o "Culto Bancário" é interessante. Eu não usaria esta nomenclatura, talvez "Culto de Mercado", mas até entendo o proposto se usar numa referência a terminologia de Paulo Freire.
    Tenho ocupado muito do meu tempo e esforços trabalhando sobre o tema do culto - tanto na vida acadêmica como na práxis pastoral (mas confesso que a segunda é melhor que a primeira!)
    Concordo com o texto principalmente por seguir a linha de Jesus que instrui que a devoção tem que começar no experiência do quarto fechado (Mt 6:6). É lá que de verdade que aa alma se sente saciada, alimentada. Somente alguém que se percebe acolhida no quarto fechado é que chegará ao culto público com a devida percepção da presença do sagrado no meio do povo (Mt 18:20).
    Afinal, é isso que transforma uma reunião num culto. Culto é encontro, é contato, é comunhão, daí eucaristia (me desculpe, mas não resisti ao uso do termo que emprego no sentido de experiência comunitária cristã que gera graça no meio da congregação!).
    Sei que tem se tornado moda transformar nossas igrejas em palcos e mercados - isso é lastimável! Mas pode ter certeza que ainda há muito que não se dobraram a Baal (1Rs 19:18), que talvez estejam fora do grande marcado midiático que se tornou a nossa fé, mas que com a graça de Deus mantêm viva a chama da verdadeira adoração.
    Como disse, tenho ocupado meu tempo neste tema e gostaria de continuar mantendo contado e refletindo junto sobre ele. Creio que poderemos crescer como corpo de Cristo.
    Atualmente tenho cultuado em Aracaju e posso ser lido na página http:// ibsolnascente.blogspot.com
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  2. Jabes Nogueira, meu amigo.
    Obrigado pelas observações e percepções. Ele mercado midiático, de um culto mediatizado, de um povo pretensamente vazio.
    E alguns de nossos líderes acham que o mercado, a banalização, o show... só está do outro lado. Agir assim é coar micuins e não perceber a girafa!
    Fazemos o mesmo, só que com uma estética diferente, mas (penso) podemos ser igualmente culpados.

    ResponderExcluir

Deixe seu comentário aqui para que possamos refletir juntos. Obrigada por visitar e escrever .