(Rio, RJ | 4 de outubro de 1935 - 28 de março de 2007)“Me
chama só de Marilia! Nada de dona, senhora, professora...” dizia e sorria amorosamente
com seus olhos azuis e vívidos que logo conquistavam a afeição daqueles que
tinham o privilégio de serem envolvidos por sua naturalidade, simplicidade e ao
mesmo tempo por tanta sensibilidade musical e riqueza artística.
Marilia de Miranda Filson
Soren nasceu em 4 de outubro de 1935, no Rio de Janeiro. Filha do Pastor
Dr. João Filson Soren e da professora e organista Nicéa Miranda Soren, foi
batizada na Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, em 25 de maio de 1947,
pelo próprio pai.
Muito cedo demonstrou suas
aptidões musicais, pois com apenas quatro anos de idade executava pequenas
peças pianisticas, não demorando muito a cantar acompanhando-se ao piano e a
reger na igreja coros infantis na Escola Dominical.
Diplomou-se com distinção pelo
Conservatório Brasileiro de Música, tendo sido escolhida para ser a oradora da
turma de formandos, em solenidade no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em
1955. Recebeu o título “Estudante do Ano” no setor musical, uma promoção do
“Diário de Notícias”.
Fez seus cursos superiores de
piano, canto, órgão, regência e arte lírica no Conservatório Brasileiro de
Música, Escola de Música Villa-Lobos, Escola de Arte Lírica do Theatro
Municipal e Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro;
realizando mais tarde cursos de aperfeiçoamento e Pós-Graduação em Canto com os
mestres: Giuseppe Croce, Leda Coelho de Freitas, André Vivante, Alda Pereira
Pinto, Consuelo Savastano, Otello Borgonovo, Zsolt Bende, Stani Zawadzka.
“Marilia
Soren foi uma das musicistas que se destacaram na música evangélica nos últimos
50 anos; poucas tiveram tão extensa e duradoura folha de serviços, nas igrejas
e no meio artístico, como intérprete ou executante de páginas da literatura
operística e de peças da música instrumental, bem como na regência de obras da
música coral.” Rolando
de Nassau, artigo: Tributo a Marilia Soren, O Jornal Batista, 3/06/07.
As primeiras referências relativas à participação no
“Culto do Senhor” da musicista Marilia Soren, são datadas na Semana Santa de
1954 quando cantou a parte solista do “Messias” de Haendel e também executou ao
órgão uma Toccata e Fuga de J. S. Bach. O Coro da Primeira Igreja Batista
do Rio de Janeiro, naquela época sob a regência de Natanael Mesquita, contava
com 109 coristas e era considerado o maior e melhor coro de igreja evangélica
do Brasil. Em 1958, Marilia viria assumir a regência deste coro, desenvolvendo um
intenso trabalho por um período de 9 anos. Cultos cantados, integração com
instrumentistas e coros de igrejas irmãs, solenidades e apresentações na rádio
e televisão proporcionaram a propagação da música coral sacra que se expandiu incluso
o ambiente musical secular.
Foto 2 – Coro Eclésia da PIBRJ, regente Marilia Soren, apresentando-se na TV TUPI cantando um programa sacro no Show da Noite, em 1966)
Em uma época com dificuldades para a aquisição de
repertório sacro na língua pátria, Marilia dedicou-se a tradução de diversos
hinos, solos, duetos e peças corais provenientes de cantatas, missas e
oratórios. Catalogou, traduziu e adaptou diversos discantus que eram entoados pelo coro juntamente com o cântico dos
hinos pela congregação. Várias dessas obras fazem parte até hoje do repertório
estável do Coro Eclésia da PIBRJ e demais coros.
Com apenas 24 anos foi
vencedora do concurso de canto em âmbito nacional para solistas da Orquestra
Sinfônica Brasileira. Esse prêmio lhe valeu, além de um concerto com a
orquestra transmitido ao vivo radiofonicamente do Theatro Municipal, a gravação
de um disco. Posteriormente apresentou-se na rádio MEC, cantando um “Recital
Haendel”, no programa “Jovens Recitalistas Brasileiros”.
Vencedora de oito concursos
nacionais de canto, Marilia Soren foi solista das mais destacadas
orquestras: Orquestra Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica
Nacional, Orquestra de Câmara da Rádio MEC, Orquestra Petrobrás Sinfônica,
entre outras. Participou durante 10 anos como pianista, organista e
cantora solista colaborando as atividades da Associação Coral
Evangélica, atuando ao lado dos regentes Heitor Argolo e Saulo Velasco, da
soprano Glaucia Simas, em concertos e gravações que foram recebidos
elogiosamente pela crítica musical especializada. Como cantora solista do
elenco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro participou das produções
operísticas nas temporadas de 1960 à 1962. Prosseguindo sua carreira lírica foi
frequentemente requisitada para cantar Santuzza, personagem principal da ópera
“Cavalleria Rusticana”, em diversos teatros brasileiros. Marilia obteve grande
sucesso como intérprete da ópera “Condor”, do compositor brasileiro Carlos
Gomes, nas Vesperais Líricas do Theatro Municipal de São Paulo, em 1982. Apresentou-se
por uma última vez em óperas cantando a personagem da Princesa de Bouillon, na
série Ópera do Meio-Dia, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no ano de
2000. Foi uma conceituada recitalista de música erudita e sacra, tendo
sido convidada para atuar na TV Tupi, nos “Concertos para a Juventude” da TV
Globo e em cantatas e oratórios na Sala Cecilia Meirelles.
Foto 3 – Marilia Soren, mezzosoprano, como protagonista da ópera Sansão e Dalila“ de Camille Saint-Saëns, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1960.
Foto © Arquivo Soren
Estudou com o eminente organista Antônio Silva, professor
catedrático da Escola de Música da UFRJ, realizando posteriormente na mesma
instituição Curso de Alta Interpretação Organística ministrado pela
renomada Gertrud Mersiovsky.
Marilia foi organista do concerto inaugural dos
seguintes órgãos: Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro
(órgãos Hammond e Rigatto), Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil,
Igreja Presbiteriana de Madureira, Colégio Santos Anjos em Vassouras,
Capela do IGASE do Rio de Janeiro, Igreja Presbiteriana da Taquara, Quarta
Igreja Batista do Rio de Janeiro, Igreja Evangélica Luterana do Rio de Janeiro,
Igreja Anglicana do Redentor e reinaugurou os órgãos de tubos das igrejas
luteranas de Juiz de Fora (MG) e de Petrópolis (RJ). Participou
também, em 1955, como pianista no concerto de inauguração do grande piano de
cauda Petrov da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro.
Foto 4 – Organista Marilia Soren durante um concerto ao grande órgão Tamburini da
Escola de Música da UFRJ, em 1985. © Arquivo Soren
Marília dedicou-se aos seguintes encargos como
organista e regente:
Organista e Regente Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro (Coro João
Soren e Coro da Igreja, hoje denominado Eclésia), Organista da Associação
Coral Evangélica, Organista da Sociedade Excelsior de Arte e
Cultura, Organista do Serviço de Rádio e Gravações da Casa Publicadora
Batista, Organista Oficial do 10°. Congresso Internacional da Aliança
Batista Mundial, Organista Concertista da Associação Brasileira de Arte e
Cultura Artística de Petrópolis, Organista Concertista dos Festivais de
Inverno de Ouro Preto (MG), Organista e Regente do Coro do Hospital da
Aeronáutica, Organista da Igreja Presbiteriana da Usina e Organista e
Regente Titular da Paróquia do Redentor – Igreja Episcopal Anglicana.
Atualmente esse coro denomina-se Coro Marília Soren, prestando homenagem à
memória de sua regente que atuou por 36 anos.
Foto5 - Coro
Marilia Soren. Ela foi regente por 36 anos na Paróquia do Redentor - Igreja
Episcopal Anglicana do Rio de Janeiro. Foto © Arquivo Soren
Foto 6 - Marilia Soren foi a organista no 10 °. Congresso da Aliança Batista
Mundial, no Maracanã, em 1960. Foto © Arquivo
Soren
Recebeu o título “Melhor
Organista do Ano”, em 1958 e 1959 consecutivamente, conferido pela “Crítica
Musical do Jornal Batista” por suas atuações na denominação e em concertos
públicos. Em 1960 foi distinguida como “a melhor amiga da Música Sacra”, não
somente pela meticulosa escolha e execução de seu repertório litúrgico nos cultos da
PIBRJ, como também pelo concerto inaugural do órgão Hammond do Seminário
Teológico Batista do Sul do Brasil.
Exerceu durante vários anos o magistério da Música, do nível básico ao
superior, tendo sido convidada a proferir ciclos de conferências ilustradas
sobre História da Música Brasileira e História da Ópera pela Secretaria de
Assuntos Culturais do Ministério de Educação e Cultura. Lecionou no memorável 1º
Instituto de Música Sacra, idealizado e organizado por Bill Ichter, em Recife,
em 1964.
Foto 7 - Corpo docente do 1º. Instituto de Música Sacra. Info: https://www.pastorjoaosoren.com/bill-ichter - Professoras Katherine Smith, Marilia Soren, Noemi Gonçalves e Elza Lakschevitz. Professores Fred Spann, Bill Ichter e Gamaliel Perruci. O Prof. Davi Mein, ausente na foto, lecionou "A Música na Bíblia". Recife, 16 a 21 de março de 1964. Foto © Arquivo Soren
Marilia Soren participou como cantora, pianista,
organista e regente em cultos, ofícios religiosos, concertos, gravações,
congressos e festivais de música em incontáveis atuações por todo o Brasil. Na
Europa cantou em Madri, Roma e Bérgamo, atuando como organista em diversas
igrejas e salas de concerto.
Orientou com valiosos conselhos técnicos e
conhecimento de repertório sacro a formação e ampliação instrumental do
“Aulos”, conjunto de repertório sacro renascentista e barroco, atuante entre 1975
e 1990, que foi o impulso originário para a futura organização da Orquestra da
Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro.
Estava sempre pronta para cooperar. Irradiando
felicidade cantava, tocava, ensinava e trabalhava técnica vocal com solistas e
coristas, contribuindo desta forma no processo de solidificação e formação de novos
coros evangélicos, fato até hoje saudosamente por muitos testemunhado.
Foi agraciada, entre outros títulos, com a Medalha de
Confraternização da Confratex, por relevantes atividades exercidas em setores
da música erudita, sacra, brasileira e cívica.
Tomou posse em 1998 como catedrática da Academia
Internacional de Música, com o Grau de Conselheira. Foto ©
Arquivo Soren, 2005
Marilia teve dois filhos os
quais muito amou e se dedicou. Suray Sosa Soren, violinista da Orquestra do
Theatro Municipal do Rio de Janeiro e professora pioneira no Brasil do método
de violino Suzuki Tropical para crianças. Amaru Sosa Soren, radicado
atualmente na Alemanha, professor em Universidades na Europa, organista e
maestro titular do Coro da Rádio Berlin-Brandenburg. Foi abençoada com três
netos: William, Stephanie e Richard.
Quando cantava com sua voz de
mezzosoprano, Marilia era fervorosa e ungida, possuía um timbre nobre,
volumoso, emocionando sempre. Ao órgão, além de executar obras dos
grandes mestres, era capaz de improvisar em estilo clássico/sacro, não
necessitando de partitura para acompanhar os hinos congregacionais, criava então
modulações e cadências próprias para cada momento do culto. Foi uma regente
muito amada e respeitada, pois conquistava logo a atenção de seus coristas
através da forma contagiante pela qual transmitia a música divina que sentia.
Marilia Soren influenciou gerações de músicos hoje
ministros de música, organistas, cantores, coristas, instrumentistas,
educadores; passando adiante seus conhecimentos e estimulando-os sempre com
palavras de encorajamento e fé cristã. Chamava todos pelo nome e em
seguida acrescentava “flor! menina!
broto! garoto!” carinhosamente.
Em 2008 foi concebida a “Medalha Marilia Soren”, uma
iniciativa de Jaime Hilário, diretor do programa de rádio “Encontro Coral”, com
a finalidade de condecorar os dez músicos de maior destaque no ambiente musical
evangélico do ano corrente.
Em seus últimos dias de vida terrena, quando devido a
sua enfermidade, ela já não tinha mais forças para se levantar, mesmo com
dores, pedia para ser levada até ao piano e tocava alguns hinos. Entre eles “A
Cidade Santa”. E dizia então “me foram enviados por Deus esta noite...”.
Uma vida servindo a Deus, uma inspiração, um exemplo.
Desde 1954, quando a jovem Marilia Soren pela primeira vez ofereceu seus dons
no culto do Senhor, sempre de coração vibrante, sempre com reverência e
humildade, até janeiro de 2007. Poucos meses depois ela foi chamada para estar
na presença de nosso Deus. Foram 53 anos de dedicação de seus talentos ao altar do Senhor.
“Entrega o teu caminho ao
Senhor, confia nele e Ele tudo fará” Salmo 37.5 - versículo bíblico que
Marilia Soren escolheu para acompanhar a sua vida.
Amaru Sosa Soren, seu filho – radicado atualmente na Alemanha, professor em Universidades na Europa, organista e maestro titular do Coro da Rádio Berlin-Brandenburg.
Publicação original e inédita cedida para Westh Ney Rodrigues Luz, para uso neste blog - Blogdawesth
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Meu depoimento pessoal:
Biografia de uma mulher incrível. Talentosa, humilde, sorriso amplo e de uma dedicação sem limites aos amigos, família, igreja, música coral, órgão, ópera... Com seu sorriso amplo alcançava e abraçava todos. Nós nos amávamos. Postar sua história, enviada com exclusividade pelo único irmão que tenho e assim mesmo, não é de sangue - Amaru Soren me traz uma alegria de saber que temos sempre com quem contar na caminhada terrena. Nossos caminhos estão ligados há mais de 45 anos.(com toda a família).
Com pastor Soren, PIB do Rio tem cerca de 60 anos. Laços de amizade são presentes de Deus para nós humanos, se assim nos permitimos. Minha casa tem o perfume, alguns livros, hinários, bijouterias, enfeites da Marília... tem crochés e bordados da D. Nicéia, sua mãe. Cada vez que coloco um deles na minha mesa o coração fica carregado de lembranças alegres e memoráveis. Algumas lembranças ficarão guardadas no coração em silêncio e nunca serão relatadas. Não interessa. Tem coisas que são importantes só para quem as viveu.
Lembrar do Pr. Soren ouvindo minhas indagações na sala iluminada por um abajour e respondendo calmamente depois de alguns minutos de silêncio... é de lavar a alma. Com ele tirei muitas dúvidas na organização do HCC em termos e classificações teológicas há 30 anos. Aliás, todos sentiam alegria e davam muitas opiniões sobre o HCC. Marília me deu hinários Luteranos, outros alternativos...
As sopas na mesa redonda da sala de jantar, a torta de morango, o sorriso comedido da D. Nicéia. Ela era mais moderna e contemporânea do que os jovens naquela mesa de refeição cheios de conceitos e questões fechadas. Ela não.
Quando Marília chegava a casa inundava de sons e gargalhadas... Seu amor pelas pessoas se refletia no perdão e na compaixão que tinha por todos.
Olhando essa foto que abre o blog, vejo os traços fortes e a marca do sorriso na Suray e no Amaru, seus filhos. Está presente neles, a bondade e animação principalmente da Suray Soren . Ai que saudades de todos!
É gente... a vida é pra ser vivida junto com as pessoas que amamos e que mesmo partindo para a eternidade deixam suas marcas em nós.
Westh Ney Rodrigues Luz